Madre Visitatio
Nascida Igara Lemos Gibson, foi filha de Arnaldo Gibson e de Aline do Amaral Lemos Gibson. Era neta de Alfredo, bisneta de Alfred e tri-neta de Henry & Alexandrina.
Cedo optou pela vida religiosa, ingressando na Ordem de São Bento (beneditinas de origem alemã). Morou por muitos anos no Convento das Beneditinas em Olinda, mas esteve também em Caruaru (PE) e em Barbalha (CE) tendo sido diretora do Colégio das Beneditinas daquelas cidades. Foi também professora de História e de Matemática no Colégio Nossa Senhora do Carmo (Recife) e na Academia de Santa Gertrudes (Olinda).
No final dos anos sessenta, influenciada pela Teologia da Libertação, fez a chamada opção pelos pobres e a partir daí - abandonando a opção de monja enclausurada, contemplativa, desenvolveu um trabalho social e de Catequese em todo Nordeste. Dava cursos de Fé e Política em diversas cidades pregando o engajamento dos cristãos na responsabilidade para com os menos favorecidos, para com os deveres sociais.
Sentiu-se atraída pelos ideais democráticos, pelo carisma e pelas idéias de Dom Helder Câmara (de quem foi muito amiga), pelas posições do Frei Leonardo Boff e engajou-se politicamente, não só ajudando e dando apoio aqueles que resistiam a Revolução de 64, como divulgando as ideias da chamada Igreja Progressista.
Em seguida transcrevo na íntegra um trecho redigido pelas Beneditinas e extraido da Web:
"Breve Relato da Vida e da Morte de nossa
Irmã Visitatio (Igara) Lemos Gibson, OSB
* 20.01.1921 - + 09.09.2009
“Serviço é o transbordamento do amor”
Esta frase encontramos, escrita à mão, na Regra de São Bento, “ad usum” da Irmã Visitatio, logo abaixo da indicação “Termina o Prólogo”. Na primeira página da Regra, ela cita Fil 4,4-9, trecho que começa dizendo “fiquem sempre alegres no Senhor” e ainda “ocupem-se com tudo o que é verdadeiro, nobre, justo ..” Ir. Visitatio era uma mulher que buscava a justiça, palavra que mais pronunciava. Pela escolha dos cursos que fez, antes de entrar no Convento, conhecemos o seu desejo de servir aos necessitados.
Guiada pela mão de Deus
Irmã Visitatio nasceu em Recife, no Estado de Pernambuco, no Nordeste do Brasil, a 20 de janeiro de 1921, tornando-se a mais velha entre seis irmãos, após o falecimento de seis irmãozinhos. Seu nome Igara, de origem indígena, significa “canoa”, do qual se orgulhava. Igara foi batizada perto de completar três anos de idade. Seu pai, Sr. Arnaldo Gibson, era funcionário público, Fiscal da Receita Federal; não praticava a religião católica, na qual ele foi batizado, pois era maçom, mas observava princípios cristãos que exigia também dos filhos. Sua mãe, Dona Aline Lemos Gibson, professora, faleceu quando Igara tinha 11 anos de idade. Igara ajudou a criar os irmãozinhos. A avó paterna, que as crianças passaram a chamar de mãe, era evangélica e espírita e não levava as crianças para a igreja. Mesmo assim, Igara ingressou na “Juventude Feminina Católica”, na Paróquia do Barro, onde sua família residia. Fez sua primeira Comunhão particular, sem ter freqüentado o Catecismo da Paróquia, pois não conseguia o consentimento do pai.
Passos decisivos
Igara formou-se professora primária na Escola Normal de Pernambuco, em 1939. No ano seguinte à sua formatura, fez um curso de Enfermagem de Saúde Pública, e foi indicada para a função de visitadora sanitária. Em 1943 fez o curso de Emergência Médica Social para ingressar na Legião Brasileira de Assistência. Até a sua entrada no Convento, trabalhou neste ramo, ganhando assim o seu enxoval para entrar no Convento; pois seu pai, embora de boas condições, em absoluto consentia nesta decisão da filha.
Igara entrou em nossa Congregação com 23 anos de idade, no dia 9 de fevereiro de 1944, já tendo muito se empenhado em causas sociais e melhoria das condições de vida dos mais necessitados. O ano canônico do Noviciado iniciou em 6 de janeiro de 1946, quando recebeu o nome de Irmã Visitatio, nome que muito venerava. Em 10 de fevereiro de 1947, proferiu os Primeiros Votos e três anos depois, na mesma data, os Votos Perpétuos.
Estudo e Trabalho
Após a Profissão foi possível fazer os cursos superiores de Técnico de Contabilidade, História, Geografia, Francês e Supervisão Escolar.
Ainda, no decorrer dos anos, fez os cursos de sua aspiração: Doutrina Social da Igreja, ISPAC – Instituto Superior de Pastoral Catequética, em Salvador e outros Cursos de Catequese, em Caxias, no Rio Grande do Sul, e em São Paulo. Nos primeiros anos, lecionava em nossas escolas. Depois foi nomeada, sucessivamente, Diretora de alguns Colégios nossos.
A Catequista
Em 1975 foi liberada das funções nas nossas escolas para atuar na AEC - Associação de Escolas Católicas, alternadamente como Vice-Presidente e Presidente, até 1986. Também assumiu a função de Assessora dos professores de Ensino Religioso nos Colégios Públicos. Ensinava Prática Catequética no Seminário. Foi Fundadora e Coordenadora da Comissão Regional de Catequese do NE II. Apoiou e orientou catequistas em muitas localidades, e nos últimos anos dedicou-se ao grupo de catequistas na Paróquia de Guadalupe - de Olinda, até as últimas semanas de sua vida, já na cadeira de rodas. Criou um grupo de evangelização para idosos, com encontros semanais que se reúne na nossa granja, em Olinda, e pelo qual se preocupou a respeito da continuidade após a sua morte.
Entre Co-Militantes
Para completar o elenco de suas atividades, transcrevemos aqui um artigo escolhido entre as homenagens que lhe foram feitas durante a vida:
Do Jornal Igreja Nova – Encarte – Edição109:
- Missionária beneditina, militante ardorosa, mas oculta da liberdade democrática durante a ditadura militar: imprimia panfletos num mimeógrafo durante a noite.
- A querida Irmã Visitatio está sempre presente nos cursos, congressos, palestras, jornadas, lançamentos de livros e outros eventos de formação teológica (incluindo a nossa Jornada Teológica Dom Helder Câmara, a qual nunca faltou), como a demonstrar uma ânsia permanente de conhecimento.
- No lugar onde aparece é sempre carinhosamente acolhida e reverenciada, como um exemplo de vida cristã atualizada.
- Ir. Visitatio é uma presença segura no Grito dos Excluídos (às vezes, portando um apito).
- Nas palestras, surpreende e entusiasma sobretudo pela interpretação bem atual dos fatos da vida e da história da Igreja.
- Perguntada sobre os dados de sua biografia, responde: "Sou Catequista itinerante! Só!"
- Nossa homenagem a esse testemunho vivo de religiosa engajada no momento histórico, questionando a realidade e anunciando a esperança, como fizerem os profetas.
- Viva a sua Vida, Irmãzinha querida!!!!!”
Missionária beneditina
Depoimento de uma sobrinha: “Ir. Visitatio tinha uma personalidade muito forte e uma visão do mundo muito além de sua geração. Deixou-nos um testemunho marcante de luta pela justiça em prol de um mundo mais igual e fraterno para todos. Todas as ocasiões em que esteve presente em nossa família, nunca deixou de reservar um espaço para suas orações. Recolhia-se para ler a bíblia e fazer suas orações. Nos nossos bate-papos sempre nos alertava da importância de rezarmos e freqüentarmos a missa, além de nos dizer sempre para termos momentos de silêncio, o que considerava muito importante para a vida. Considero-a uma apóstola dos ensinamentos cristãos, uma pessoa entusiástica por ser beneditina e uma revolucionária na defesa das causas sociais.”
A este depoimento acrescentamos seu grande amor à Lectio Divina e o seu zelo pelo Ofício Divino, para o qual quis chegar sempre bem antes da hora.
A cruz
Ir. Visitatio não tinha boa saúde. Aos 29 anos de idade, foi lhe retirado um seio. No decorrer dos anos, contraiu uma úlcera estomacal. Fez cirurgia de fibroma e apendicite. Em 1993 revelou-se a diabetes, e tinha muitos problemas com a circulação que lhe impedia de andar bem. Terminou seus dias numa cadeira de rodas. Sofria ainda de hipertensão arterial e em 2006 sofrera uma isquemia leve, que parece se repetiu, embora levemente.
Mas a grande cruz que Ir. Visitatio carregava consigo - sem se queixar, foi a progressiva cegueira. Esta deficiência visual não a impedia de continuar a atender aos seus compromissos. Bonita foi a sua humildade ao pedir, que alguém lesse para ela, à tarde, as Leituras da Missa do dia seguinte. Nas últimas semanas, quando a memória se enfraquecia sempre mais, pedia várias vezes ao dia para ler o Evangelho.
Vem, Senhor, vem logo!
Irmã Visitatio tinha um caráter decidido. Uma vontade de trabalhar! Ao constatar que agora não podia mais atender as solicitações, caiu numa grande depressão. Nos últimos dias foi visível a sua libertação. Estendendo as mãos disse “não toquem na minha mão, Jesus deve encontrá-la aberta, quando vier; vem Jesus, vem logo”. E com a energia própria dela, bradou: “Vem logo!”
À Postulante, que teve a última vigilância com ela, pediu que lesse mais uma vez o Evangelho. Abrindo a Bíblia, caiu em Lc 6; a Postulante leu para ela a multiplicação dos pães. Terminada a leitura, Ir. Visitatio disse: “Amanhã vai se distribuir muitos pães em Olinda”. Tendo dito isto, mudou-se o aspecto do seu rosto. Apoiada nos braços das irmãs fechou os olhos em paz: Irmã Visitatio, tranquilamente, entregou a sua alma a Deus. Eram 18h e 45min do dia 09 de setembro de 2009. - Querida Irmã Visitatio, descanse em paz!
Pedimos as orações por nossa Co-irmã falecida.
Olinda, 16 de novembro de 2009
A Cronista"
E faz um acréscimo ao texto: "Das condolências que recebemos, cito uma passagem de uma diaconisa anglicana: “Visitatio é especial até na data da partida: 09.09.2009. Toda a equipe espiritual deve estar em alvoroço na chegada dessa matriarca, heroína, desbravadora e corajosa mulher! - Meu abraço carinhoso à família beneditina, nessa hora de despedida”.
Esta biografia foi escrita pelas beneditinas e está à disposição no site:
http://www.osb-tutzing.it/po/Ir._Visitatio__Lemos_Gibson.pdf
Em 2011, a Ir. Visitatio foi homenageada pela Arquidiocese de Olinda e Recife ao ser criada uma semana social, que leva seu nome. Abaixo, um dos cartazes que divulgaram o acontecimento:
Em 1999, nossa tia madre participou de um "apitaço de protesto", na Parada de Sete de Setembro, atendendo um apelo do Partido dos Trabalhadores feito pelo próprio Lula - que ainda não era Presidente do Brasil. O fato foi documentado na primeira página pelo Diário de Pernambuco:
Na década de 1980, já residindo em Minas Gerais, eu assistia pela TV Globo a cobertura do Carnaval. Em um flash sobre o carnaval de Olinda, a Globo dá um foco sobre uma das janelas do Convento das Beneditinas e surge a imagem da Irmã Visitatio, em uma das sacadas, dançando, embalada pelo Frevo Pernambucano.
Esta era a nossa "tia Madre" ! SAUDADES !
Gustavo Gibson
Caso você queira contribuir com nosso trabalho, com outras informações, fotos ou documentos que possam enriquecer esta postagem, pedimos que entre em contato com gustavogibson@gmail.com Todos agradecemos